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O Porto faz parte do grupo muito restrito de cidades «no
masculino».
Nascemos «no» Porto. Vamos «ao» Porto. Aquilo é «do» Porto…
E quando se concebeu uma estátua que representasse a cidade, a figura
escolhida foi, obviamente, masculina: a do guerreiro «o Porto».
São, com efeito, muito poucas as cidades mundiais que emparceiram
com a urbe tripeira nesta excepção ao género toponímico
feminino dominante. Curiosamente, uma boa parte dessas excepções
corresponde a cidades-Estado (de que são exemplo o Mónaco, o
Vaticano, o Dubai…), o que pareceria vir dar razão à popular e bairrista
máxima de que «o Porto é uma nação!» Mas é claro que há também
casos como o do Rio de Janeiro, do Montijo ou do Cairo…
Todavia, e não obstante esta sua particularidade «masculina»,
a verdade é que a cidade sempre foi fortemente marcada pelo eterno
feminino. Desde logo, e já em época longínqua (ou lendária, se aceitarmos
a explicação da fantasiosa reconquista da cidade por uma armada
de gascões em 988), o Porto foi consagrado à entidade feminina mais
importante na devoção e religiosidade católicas: a Virgem.
Civitatis Virgnis, a cidade da Virgem, assim é designada desde
a Idade Média. E pelo menos desde o século xiv (data do mais antigo
selo que se conhece da cidade) até à actualidade, as armas do Porto, o
seu brasão, jamais deixaram de ser dominados por essa figura feminina.
De resto, e recorrendo ainda às ancestrais e lendárias origens do burgo,
encontraremos múltiplas vezes a Virgem em lugar privilegiado na defesa
da cidade e, ou, na sua reconquista para o domínio cristão. Caso
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das miraculosas intervenções de Nossa Senhora da Vandoma, Nossa
Senhora de Campanhã, Nossa Senhora da Batalha…
A presença e a incontornável influência feminina na cidade não
se limita, contudo, à dimensão lendária. São múltiplos os exemplos do
seu protagonismo ao longo da história do Porto. A lista seria fastidiosa.
Mesmo assim permitam-me relembrar o papel decisivo de
Dona Teresa, nos anos que antecedem a origem da nacionalidade, ao
doar o senhorio do burgo ao Bispo, decisão que marcará os destinos da
cidade até ao início do século xv. Ainda nos primórdios da nacionalidade
merece, também, referência a primeira rainha de Portugal, Dona
Mafalda de Sabóia, a quem se terá ficado a dever um particular empenhamento
na construção da nova catedral românica e no alicerçar
daquele que foi durante séculos um dos principais cultos marianos da
cidade: o de Nossa Senhora da Silva. E apesar de, ao longo dos séculos,
o papel da mulher ter sido silenciado, a verdade é que a análise aos
documentos acaba por nos revelar esse seu protagonismo. Mesmo que
muitas vezes o faça através de uma avaliação negativa. Afinal, até muito
recentemente, a historiografia era feita no masculino. Com perspectivas
não raras vezes machistas, e mesmo misóginas. Veja-se o caso do papel
de destaque que as mulheres assumiram nas revoltas populares que
tanto têm caracterizado a história da cidade. Ora, na documentação,
elas surgem-nos associadas a epítetos pouco abonatórios, como o de
«regateiras» no famoso Motim das Maçarocas em 1629. Documentos
que, por outro lado, revelam o protagonismo feminino nesses tumultos
quando, ao listarem os condenados de muitas dessas rebeliões e seus
principais implicados, incluindo a tristemente célebre revolta dos taberneiros
de 1757, acabam por nos citar também o nome de mulheres.
E o que dizer da forte presença de conventos e mosteiros femininos
que durante largos séculos caracterizaram e enxamearam a cidade? As
carmelitas, as clarissas…
Numa povoação que é conhecida por ser a «cidade do trabalho»,
também as mulheres se evidenciaram, de diversos modos, no bulício
mercantil e artesanal do burgo. E se outros topónimos não houvesse, a
resistente calçada das carquejeiras aí está para nos recordar. Chegados
ao século xix, e de um modo evidente ao longo do xx, as mulheres e o
seu papel activo em múltiplas frentes da sociedade começam a ganhar
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nome e rosto. E o Porto foi, não raras vezes, e apesar das resistências
e dos convencionalismos, uma cidade protagonista nessa afirmação e
emancipação. Médicas, engenheiras, artistas, políticas, investigadoras,
professoras, beneméritas… um número muito significativo de mulheres
irá evidenciar-se e, por isso, muito justamente, ser recordado na toponímia
da cidade.
É de tudo isto, e muito, muito mais, que nos fala o livro que tem
entre mãos. Ao longo das páginas seguintes deixe-se, pois, conduzir pela
mão e mestria do César Santos Silva, pelas ruas, vielas, congostas, praças
e escadas da cidade. Profundo conhecedor da história do Porto e da sua
toponímia, o autor é um guia esclarecido e esclarecedor. De A (que o
mesmo é dizer da Rua Adelaide Estrada) a Z (que neste caso é V, relativo
à Rua das Virtudes), César Santos Silva revela-nos 146 topónimos
femininos do Porto. Uma cidade escrita no masculino, mas que não
renega a sua faceta feminina.
Joel Cleto
Ficha Técnica
ISBN/13:
Num. Páginas:
Tamaño:
Encuadernación:
Año:
Editorial:
Idioma:
Temática:
9789898574091
144
153x235
Tapa blanda con solapas
2019-06-28 08:53:47
Cordão de Leitura, Unipessoal, Lda
Portugués
Guías de viaje y turismo (WTH)
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